domingo, 23 de agosto de 2009

When We Left Earth - agora em DVD de banca

A revista SuperInteressante e o Discovery Channel lançaram nas bancas de jornais uma edição especial com dois DVDs contendo a íntegra do documentário When We Left Earth - The Nasa Missions. São dois discos vendidos separadamente por R$ 29,90 cada.



Valem cada centavo. O filme comemora os 50 anos da agência espacial norteamericana, com (horas e mais horas de) imagens de arquivos remasterizadas das missões Mercury, Gemini e Apollo. Coisas que nunca foram vistas antes, como as imagens da câmera de mão do astronauta Ed White mostrando o momento em que ele abriu a escotilha da sua cápsula para fazer a primeira caminhada espacial da Nasa. Os relatos vão desde o começo dos vôos tripulados ao espaço até os dias de hoje, com as missões de manutenção do telescópio espacial Hubble e os acidentes com os ônibus espaciais.

Trazendo entrevistas com grandes caras como John Glenn e Neil Armstrong, a produção lança um olhar inédito sobre a parte ocidental da exploração do espaço, alternando a potência do épico com a delicadeza do lírico num equilíbrio raramente visto em documentários, e com uma trilha sonora surpreendentemente inspirada.

Pena ainda não terem feito um registro do mesmo nível contando a história do programa espacial russo. Seja como for, When We Left Earth está nas bancas, é bom e o preço não é nenhum absurdo.

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quarta-feira, 19 de agosto de 2009

O dragão chinês - um fragmento

Ele não sabia por onde começar a falar daquilo. Era como um dragão chinês colorido e colossal, do qual ele via apenas alguma porção do meio, sem saber para que lado ficava a cabeça, para que lado ficava a cauda, e a que distância estaria cada uma. Ainda assim, tentava extrair a essência do que passava, pôr em parágrafos escritos o material do qual eram feitos aqueles dias.

Este era um exercício ainda maior de limitação. Seria, pensou, como conter numa tampa de garrafa o oceano de algum planeta exótico, ou fazê-lo passar inteiro por um esguicho em seu jardim.

Ele via beleza, no entanto, nesse próprio fracasso. Era sublime ver que suas palavras não eram tão belas. Não eram tão claras. A língua que lhe permitiria falar daquilo ainda não havia terminado de ser criada – e esse era um processo que ele não haveria de concluir sozinho.

Enquanto isso, ele se perdia em contemplar o ziguezague no longo e festivo corpo do dragão. No ir e vir atemporal das curvas ritmadas, improváveis, musicais. Na celebração misteriosa do fantástico. Na concretização invisível. Como era possivel estar ao mesmo tempo frustrado, angustiado, oprimido até – e feliz, e realizado, e gigantemente esperançoso? Como pode alguém sentir-se contraditoriamente acompanhado de ausência, e ainda achar isso doce, e singelo, e sublime?

Tudo o que sabia era que havia se transformado num vasto e intrigante salão, preparado para o mais crucial banquete. Estava em compasso de angustiante espera, e ao mesmo tempo definitiva e continuamente habitado.

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A antropologia do blogueiro ofendido

Um olhar crítico sobre o caso #pumafail

A blogosfera brasileira teve ontem um dia de deja-vu. Uma marca de tênis, uma estratégia descuidada e emails privados de abordagem comercial postados na íntegra trouxeram de volta as sombras do caso Nike/Riot, ocorrido em fevereiro de 2008. Na ocasião, blogueiros proeminentes sentiram seus calos pisados e fizeram um barulho enorme por conta de um email enviado pela agência Riot. A mensagem convidava-os a postarem sobre a Nike e sugeria, em termos talvez obscuros demais, que opiniões favoráveis à marca poderiam resultar em oportunidades futuras de negócio.

O fato foi amplamente criticado pelos blogs, que fizeram dele um caso emblemático. A abordagem desastrada da Riot foi apontada como um exemplo da ignorância de alguns estrategistas de comunicação sobre a natureza desse meio -- e repudiada como um desafio velado à sua espontaneidade.

Ontem, foi a vez de uma concorrente da Nike, a Puma, sentir a ira da patrulha meritocrática. Um email em nome do fabricante, recebido por blogueiros selecionados, convidava-os a postar sobre um novo modelo de tênis, sem primeiro experimentá-lo. A mensagem dizia que, caso o blogueiro conseguisse levar um número significativo de acessos ao hotsite do produto, ele ganharia bonés, camisetas e outros brindes da marca - e que o grande campeão nesse esforço de mobilização ganharia o prêmio máximo: um par do tal modelo de tênis. As mensagens, ao que consta, não eram assinadas por nenhuma agência de comunicação, e vinham de um endereço Gmail.

Mais uma vez, ondas de comoção e revolta se espalharam por blogs, comunidades e o Twitter. Injuriados, os blogueiros se dividiam entre os que analisavam criticamente a estratégia da Puma e os que a ridicularizavam. Alguns, como o blog Upa Lupa, hostilizaram abertamente a iniciativa, com palavrões em profusão. No fim do dia, entre questionamentos sobre qual teria sido o erro da Puma e a simples execração, a moral da história pairava no ar: não tropece ao tentar conquistar espaço no discurso dos blogs, ou fogo e enxofre cairão sobre você.

Que a blogosfera brasileira se leva a sério demais, isso todo mundo sabe. Que alguns blogueiros se consideram salvadores da comunicação humana, isso não se discute. Mas será que toda essa revolta é necessária? Por que a estratégia da Puma virou um saco de pancadas, em vez de simplesmente ser ignorada? Se o fenômeno já tinha acontecido antes e todos já concordaram a respeito dele, por que toda a comoção outra vez? Para que chicotear cavalo morto, se a blogosfera tem tanta coisa nova e relevante a dizer?

O que ninguém observa é que talvez a tal da relevância blogueira, esse valor tão discutido, ambicionado e comemorado, tenha menos a ver com a pertinência da mensagem e mais com uma coisa chamada capital social. Capital social é definido por estudiosos como Pierre Bordieu e James Coleman como o valor implícito das conexões em uma rede de relações humanas. Trocado em miúdos, e aplicando ao debate das mídias sociais digitais, trata-se do valor que uma pessoa adquire dentro de um grupo quando se relaciona com o número certo das pessoas certas.

Ora, qualquer um que tenha sobrevivido à oitava série sabe muito bem que, para ser popular, rejeitar novas conexões é tão importante quanto desenvolvê-las. Na verdade, a sobrevivência de qualquer grupo de prestígio depende, em grande parte, disso: de deixar claro que algumas pessoas ficarão fora dele.

A blogosfera não é diferente. Como qualquer grupo de mérito, ela precisa reafirmar seus critérios e valores, tanto para quem está fora quanto para quem está dentro dela. Nessa espécie de sociedade tribal, às vezes a maneira mais relaxante de se fazer isso é numa grande festa regada a gritaria e sacrifício humano, onde cada integrante da tribo quer ter seu papel, cantar seu trecho da música e se lambuzar um pouco com o sangue do forasteiro degolado.

Talvez o único erro da Puma -- um erro honesto, até ingênuo -- tenha sido pensar que os caciques iriam cancelar a festa em troca de espelhinhos.

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domingo, 9 de agosto de 2009

É o fim do mundo (not)


"Lança nas mãos. Heitor pontuda e grossa

Pedra arrancou da verga de uma porta,
Que ora nem dois forçudos camponeses
Poderiam mover, sem carreá-la:
Por Zeus aligeirada, ele a maneja,
Como simples tosão que em sua esquerda
Mal o ovelheiro sente
".

- Homero, "Ilíada" - canto XII


O ser humano nunca esteve tão perto da extinção. As guerras matam mais do que jamais mataram, e as doenças, a fome e o colapso econômico ameaçam a existência do planeta e a nossa própria. A cada dia mais, nós nos afastamos uns dos outros e substituímos o contato humano verdadeiro pela virtualidade fria, dando muito mais atenção à tecnologia do que aos nossos semelhantes. Isolamo-nos em casa, longe de tudo e todos, e passamos cada vez mais a experimentar o mundo apenas através da tela do computador.

Se você concorda com tudo o que eu disse no parágrafo acima, tenho ótimas notícias: nada disso está realmente acontecendo. É tudo mentira. Equívoco. Balela. Pode respirar feliz.

Há poucos dias, esse foi o teor da conversa que tive com um conhecido meu. Ele, um ludita convicto, se dizia muito pessimista com os rumos que a espécie e a sociedade estariam tomando em tempos de Twitter, Facebook e afins. Segundo ele (e, convenhamos, na opinião de muita, muita gente), as pessoas estão perdendo a habilidade de conviver pessoalmente, pois dedicam todo o seu tempo a estabelecer "relações virtuais", preferindo buscar a popularidade e a sensação de aceitação social dentro de ambientes on-line.

Toda vez que alguém me diz isso (e eu aposto que vocês também já ouviram), eu penso como deve estar difícil a vida para os donos de bares, restaurantes e casas noturnas. Afinal, essa situação deve ser uma catástrofe para os negócios dessa gente. Dá pra visualizar os bares, baladas e afins completamente esvaziados, falindo às pencas. Bairros como a Vila Madalena, em São Paulo, virados em perfeitas cidades-fantasmas.

Só que, bem, isso não ocorre. Não apenas os bares e restaurantes continuam com uma boa taxa de freqüência, mas o faturamento do setor está crescendo. Eles foram apontados, inclusive, como um dos setores que melhor resistiram à recente crise econômica, apresentando desempenho positivo enquanto empresários de outras áreas arrancavam os cabelos.

E não precisa acreditar em mim nem nos cadernos de economia. Basta sair numa sexta à noite para ver que a sociabilidade humana tête-à-tête está viva e passa muito bem. No caso específico de São Paulo, aliás, é possível ver o crescimento desse mercado a olho nu. Além das regiões já estabelecidas para a vida noturna, como a já mencionada Vila Madá, bairros que antes eram tradicionalmente decadentes, como a Rua Augusta, têm passado por um notável movimento de revitalização, em que casas antes fechadas dão lugar a novos barzinhos da moda.

Assim é com muitas dessas supostas verdades cínicas que andam por aí. A gripe suína preocupa e precisa da atenção das autoridades, mas ainda contagia e mata bem menos do que a AIDS e a malária. Ela provavelmente não vai acabar com a raça humana, assim como as guerras não vão. Afinal, elas matam menos hoje do que nos anos 40. Até mesmo a ameaça nuclear atual não se compara ao que era em 1962, durante a Crise dos Mísseis, quando EUA e URSS puseram o dedo no gatilho e sentiram coceira. Ali sim foi por muito pouco que o caldo não entornou de vez.

A raça humana não está, portanto, caminhando para a extinção. Muito pelo contrário. Somos seis bilhões e meio e contando. Por que, então, esse pessimismo todo faz tanto sucesso? Bem, eu não sei. Mas eu acredito que exista uma pista escondida nos versos da Ilíada que eu citei lá em cima. Neles, o guerreiro Heitor, com a ajuda de Zeus, ergue e arremessa uma pedra grande e pesada. E o poeta destaca que nos tempos atuais ela não poderia ser erguida nem por dois camponeses fortes. Os "tempos atuais", aqui, são os tempos de Homero: oitocentos anos antes de Cristo. E lá naquele tempo distante, quase três mil anos atrás, o cara já dizia, com todas as letras, que antigamente a coisa era melhor.

Então senta que o leão é manso. O mundo não está acabando, o contato humano não está diminuindo e, antes que você pergunte, não, não estou dizendo que as pessoas estão ficando mais burras ou acreditando em mais besteiras. Pelo que vimos até aqui dá até para concluir que algumas características humanas não mudam tanto assim, nem com o passar dos séculos. Acreditar que o fim está próximo em vários sentidos, por exemplo.

Talvez, com a internet, as comunidades digitais e blogs como este, essas bobagens apenas estejam tendo mais canais para serem divulgadas, mais ambientes para sobreviver. Mas isso também não é o fim do mundo. E é assunto pra outro dia.

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Foto: www.flickr.com/photos/smiller

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domingo, 2 de agosto de 2009

História, memória, visão

É largamente aceito que conhecer a história é a melhor maneira de evitar os erros do passado - pelo menos no âmbito do coletivo. Pode ser. Uma das coisas que mais me impressionam nas pessoas, em geral, é a aparente incompreensão, por parte delas, de que o mundo não nasceu ontem.

Um recente projeto do History Channel pode fazer sua parte para minimizar essa ocasional ignorância. O canal anunciou recentemente o projeto de restaurar imagens de época da Segunda Guerra Mundial - em cores, e em alta definição. O vídeo acima é o trailer do documentário resultante, que mescla essas imagens intensas e vívidas com os relatos de 12 pessoas que testemunharam a guerra em primeira mão.

"Esta não é a guerra que você conhece", diz o letreiro no vídeo. "É a guerra que eles viveram".


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