quarta-feira, 2 de setembro de 2009

O cavalheiro

Sobre violência e rotina

Eu nem noto o sujeito quando ele entra no ônibus, junto comigo e mais um punhado de gente. Ele paga sua passagem e vai se sentar lá no fundo do veículo. Eu pago a minha e sento perto da saída. A garota que embarcou depois de mim começa a ter problemas com o cartão de passe único, que fica sendo rejeitado pela leitora, formando atrás de si uma fila de gente impaciente e barulhenta. O cavalheiro, um sujeito comum, vai até a roleta e, muito educadamente, paga a passagem pra moça, arrancando sorrisos e obrigados. Ele volta ao seu lugar.

No meio da viagem, ele levanta, passa ao meu lado, vai ao cobrador e conversa alguma coisa com ele, baixinho. Eu continuo ali, despreocupadamente, olhando pela janela e com a cabeça em outro lugar enquanto os pensamentos do dia se dissipam. O sujeito termina de falar com o cobrador e desembarca, passando bem na minha frente. Eu olho pela janela e acho estranho quando o vejo andar sem pressa, na calçada, contando um bolo de dinheiro. E é só quando o ônibus arranca e o deixa para trás que o cobrador dá a notícia, como quem comenta o placar do jogo ou o capítulo da novela:

– Aquele cara tava armado!

É um espanto aliviado para todo mundo. O ladrão agiu rápido e em silêncio, roubou apenas o caixa e não feriu nem aterrorizou ninguém. Trabalho limpo, eficiente, profissional.

Mas que cor estranha ganha o mundo quando a violência é pasteurizada pela repetição. Quando o assaltante, mui educado, só precisa mostrar a arma na cintura e o assaltado já sabe o que fazer. Um ritualzinho tedioso, sem choque, sem trauma. E a relação entre o crime e sua vítima é um casamento antigo que caiu na rotina.

Foto: www.flickr.com/photos/yewenyi/

Marcadores: , , ,