segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Quem tem medo do Acordo?

O presidente Lula assina nesta segunda-feira (29) um cronograma para a implantação do Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, cujo texto original é de 1990. Sim, o acordo já é hominho e pode tirar carteira de motorista: seu debate e os trâmites para a sua adoção se arrastam há 18 anos e ainda está longe de ser unânime mesmo entre os que o propõem.

Há quem diga que a mítica batalha do Armagedom, que irá selar o destino da humanidade, vai ocorrer entre as forças do bem e do mal. Para outros, será disputada no Olímpico ou no Beira-Rio pelas hostes coloradas e gremistas. Já eu sempre achei que esse embate apocalíptico vai ser mesmo entre os gramáticos e os lingüistas. Os primeiros sempre catando erros na escrita e fala das pessoas; os últimos tendo orgasmos múltiplos quando escutam um "nós vai", porque as variações socioculturais tornam a língua viva e democrática e blablablá.

Mas a nova reforma ortográfica é tão polêmica que mesmo nessa clássica rivalidade está conseguindo provocar deserções. De um lado há gramáticos não vendo sentido nas novas normas e acusando-as de só complicar a vida de professores e alunos num ensino que já é deficiente. Do outro lado, lingüistas que, mesmo reclamando de não terem sido consultados, dizem que a unificação é boa do ponto de vista diplomático, porque a uniformidade da escrita vai facilitar a redação e tradução de documentos oficiais, entre outras vantagens.

No geral, porém, As novas regras, que incluem a extinção do trema exceto em nomes próprios (como o meu e o da moça dos Limeriques), são motivo de debates acalorados entre os mais libertários e os que são favoráveis à unificação das normas pela comunidade lusófona. Por exemplo, um abaixo-assinado feito em Portugal tenta barrar a implantação das mudanças, numa clara reação protecionista ao que seus autores chamam de um "atentado à essência da língua".

Aqui no Brasil, as críticas em comunidades do Orkut vão para o outro lado, sendo predominantemente pautadas pelo discurso antinormativista da lingüística, que condena os ditames da gramática tradicional e é praticamente uníssono nas academias. É o laissaiz-faire, laissaiz-passer do livre-mercado aplicado ao uso da língua.

Mas a reforma trata da escrita e é nela que deve ser analisada e julgada. Não há dúvidas de que a unificação da escrita é uma boa coisa para qualquer idioma. O Brasil é a maior prova disso. Sem uma norma culta única, em pouco tempo o sujeito que escreve um email no Rio ia penar para ser entendido pelo vivente de Porto Alegre e vice-versa. O Brasil é também a prova de que uma consolidação como essa não interfere na liberdade de uso da língua falada, que vai muito bem, obrigado.

Além de continuarem livres no uso cotidiano da língua, portanto, as mais de 210 milhões de pessoas que atualmente falam português não serão as únicas a escrever com uma norma unificada. Quem também vai começar a escrever do mesmo jeito em todos os oito países da comunidade lusófona são caras como Camões, Machado, Pessoa e Saramago. Novas edições desses autores de relevância mundial serão feitas dentro das novas regras, facilitando o trânsito dessas obras mundo afora. Isso é importante não só para nós, falantes nativos, mas principalmente para a percepção do português pela comunidade global de letras e humanidades como uma língua mais forte, com uma fortuna literária compartilhada igualmente entre as nações que a adotam.

No frigir dos ovos, embora isso não garanta uma explosão global de interesse pelo vernáculo, parece que os benefícios ainda são maiores do que o esforço exigido nas mudanças. Que, convenhamos, nem são tantas assim - e vão facilitar a aproximação daqueles que escrevem na nossa língua e aqueles que os lêem. Ou leem.

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11 Comentários:

Blogger Ana Lucia Abrão disse...

É, mas as mudanças do lado de lá serão bem maiores que as daqui.
Num país em que a maioria das pessoas nem sabe o que é trema, ele vai fazer falta (ou não) só pros gramáticos e lingüistas mesmo (principalmente porque estes se tornarão "linguistas"). Das regras de acentuação então, nem se fale...

4:07 PM  
Blogger Biti Averbach disse...

não acredito que a reforma ortográfica vá uniformizar a língua portuguesa a ponto de dispensar as traduções. há muitas diferenças regionais, expressões idiomáticas, etc.


puxa, eu devia ter me formado em lingüística... aí eu poderia dizer isso de uma forma muito mais elaborada e deixar todo mundo confuso! hehehe

4:15 PM  
Blogger F. Schuler disse...

Não, Biti, não vai eliminar nada. Mas, para quem aprende portuuguês como segunda língua, por exemplo, vai facilitar um bocado. E documentos oficiais, diplomáticos, que não usam expressões populares e regionais, serão mais compatíveis com todas as normas.

É um passo na direção certa, creio eu.

4:34 PM  
Blogger Limeriques disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

7:05 PM  
Blogger Vanessa Andara disse...

Este comentário foi removido pelo autor.

7:43 PM  
Blogger Vanessa Andara disse...

Concordo contigo, Binho. O stress está grande entre os resistentes a todo tipo de mudança. E estes que assistam ao filminho "Vida de inseto" pra perder o medinho. Bjo grande! Vanessa

7:54 PM  
Blogger Kat disse...

Bom, finalmente shukowsky terá todas as suas consoantes reconhecidas! (mas isso não impedirá que as secretárias/atendentes/etc ainda travem pra escrevê-lo...)

9:35 PM  
Blogger Limeriques disse...

Eu não tenho, e vejo com bons olhos... As mudanças serão as que já estão inseridos em nosso dia-a-dia, só faltava a normalização/padronização da língua escrita.
Observem as "grandes" mudanças:

* As regras de hifenização foram simplificadas. Agora não se usa mais hífen quando o prefixo termina em vogal e o segundo elemento começa com uma vogal diferente;( alguém usava antes?)

* As letras "k", "w" e "y" são incorporadas ao alfabeto, que passa a ter 26 letras;( isso já era utilizado ao bel prazer em nomes como Nathielly,Kelly, Wander e tantos etc...Os dicionários já registam as três letras, existindo um razoável número de palavras do léxico português por elas iniciadas, portanto, nenhum grande espanto)

* Extinção do trema, a não ser em nomes próprios e seus derivados (ex: palavras como "freqüência" e "eloqüencia" passam a ser frequência, eloquência);( ufa, nesse aspecto sinto-me aliviada=D)

* Algumas palavras passam a ter grafia dupla, a fim de contemplar diferentes pronúncias (ex: gênio/génio);

* O acento agudo também está abolido nos ditongos abertos "ei" e "oi" de palavras paroxítonas (ex: "idéia" passa a ser "ideia")

Enfim, adorei a ideia ;)

10:29 PM  
Blogger Anna disse...

A mim, só afeta em uma coisa: vai mudar a regra da crase? Porque eu tenho 27 anos, oito deles em imprensa, e confesso que ainda me confundo com aquela porcaria de acento. No mais, que mudem o que quiserem - vou virar minha avó, que até hoje escreve coisas com "ph", e dane-se.

4:52 AM  
Blogger Henriques disse...

A língua precisa da normatização, e esse acordo já chega com atraso: de no mínimo 10 anos.

Ainda sim, é um passo certo, mas como é ainda novo, a população demonstra o medo pelo novo.


Previsível.

8:22 PM  
Anonymous Anônimo disse...

bom comeco

12:07 AM  

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