A antropologia do blogueiro ofendido
Um olhar crítico sobre o caso #pumafail
A blogosfera brasileira teve ontem um dia de deja-vu. Uma marca de tênis, uma estratégia descuidada e emails privados de abordagem comercial postados na íntegra trouxeram de volta as sombras do caso Nike/Riot, ocorrido em fevereiro de 2008. Na ocasião, blogueiros proeminentes sentiram seus calos pisados e fizeram um barulho enorme por conta de um email enviado pela agência Riot. A mensagem convidava-os a postarem sobre a Nike e sugeria, em termos talvez obscuros demais, que opiniões favoráveis à marca poderiam resultar em oportunidades futuras de negócio.
O fato foi amplamente criticado pelos blogs, que fizeram dele um caso emblemático. A abordagem desastrada da Riot foi apontada como um exemplo da ignorância de alguns estrategistas de comunicação sobre a natureza desse meio -- e repudiada como um desafio velado à sua espontaneidade.
Ontem, foi a vez de uma concorrente da Nike, a Puma, sentir a ira da patrulha meritocrática. Um email em nome do fabricante, recebido por blogueiros selecionados, convidava-os a postar sobre um novo modelo de tênis, sem primeiro experimentá-lo. A mensagem dizia que, caso o blogueiro conseguisse levar um número significativo de acessos ao hotsite do produto, ele ganharia bonés, camisetas e outros brindes da marca - e que o grande campeão nesse esforço de mobilização ganharia o prêmio máximo: um par do tal modelo de tênis. As mensagens, ao que consta, não eram assinadas por nenhuma agência de comunicação, e vinham de um endereço Gmail.
Mais uma vez, ondas de comoção e revolta se espalharam por blogs, comunidades e o Twitter. Injuriados, os blogueiros se dividiam entre os que analisavam criticamente a estratégia da Puma e os que a ridicularizavam. Alguns, como o blog Upa Lupa, hostilizaram abertamente a iniciativa, com palavrões em profusão. No fim do dia, entre questionamentos sobre qual teria sido o erro da Puma e a simples execração, a moral da história pairava no ar: não tropece ao tentar conquistar espaço no discurso dos blogs, ou fogo e enxofre cairão sobre você.
Que a blogosfera brasileira se leva a sério demais, isso todo mundo sabe. Que alguns blogueiros se consideram salvadores da comunicação humana, isso não se discute. Mas será que toda essa revolta é necessária? Por que a estratégia da Puma virou um saco de pancadas, em vez de simplesmente ser ignorada? Se o fenômeno já tinha acontecido antes e todos já concordaram a respeito dele, por que toda a comoção outra vez? Para que chicotear cavalo morto, se a blogosfera tem tanta coisa nova e relevante a dizer?
O que ninguém observa é que talvez a tal da relevância blogueira, esse valor tão discutido, ambicionado e comemorado, tenha menos a ver com a pertinência da mensagem e mais com uma coisa chamada capital social. Capital social é definido por estudiosos como Pierre Bordieu e James Coleman como o valor implícito das conexões em uma rede de relações humanas. Trocado em miúdos, e aplicando ao debate das mídias sociais digitais, trata-se do valor que uma pessoa adquire dentro de um grupo quando se relaciona com o número certo das pessoas certas.
Ora, qualquer um que tenha sobrevivido à oitava série sabe muito bem que, para ser popular, rejeitar novas conexões é tão importante quanto desenvolvê-las. Na verdade, a sobrevivência de qualquer grupo de prestígio depende, em grande parte, disso: de deixar claro que algumas pessoas ficarão fora dele.
A blogosfera não é diferente. Como qualquer grupo de mérito, ela precisa reafirmar seus critérios e valores, tanto para quem está fora quanto para quem está dentro dela. Nessa espécie de sociedade tribal, às vezes a maneira mais relaxante de se fazer isso é numa grande festa regada a gritaria e sacrifício humano, onde cada integrante da tribo quer ter seu papel, cantar seu trecho da música e se lambuzar um pouco com o sangue do forasteiro degolado.
Talvez o único erro da Puma -- um erro honesto, até ingênuo -- tenha sido pensar que os caciques iriam cancelar a festa em troca de espelhinhos.
A blogosfera brasileira teve ontem um dia de deja-vu. Uma marca de tênis, uma estratégia descuidada e emails privados de abordagem comercial postados na íntegra trouxeram de volta as sombras do caso Nike/Riot, ocorrido em fevereiro de 2008. Na ocasião, blogueiros proeminentes sentiram seus calos pisados e fizeram um barulho enorme por conta de um email enviado pela agência Riot. A mensagem convidava-os a postarem sobre a Nike e sugeria, em termos talvez obscuros demais, que opiniões favoráveis à marca poderiam resultar em oportunidades futuras de negócio.
O fato foi amplamente criticado pelos blogs, que fizeram dele um caso emblemático. A abordagem desastrada da Riot foi apontada como um exemplo da ignorância de alguns estrategistas de comunicação sobre a natureza desse meio -- e repudiada como um desafio velado à sua espontaneidade.

Mais uma vez, ondas de comoção e revolta se espalharam por blogs, comunidades e o Twitter. Injuriados, os blogueiros se dividiam entre os que analisavam criticamente a estratégia da Puma e os que a ridicularizavam. Alguns, como o blog Upa Lupa, hostilizaram abertamente a iniciativa, com palavrões em profusão. No fim do dia, entre questionamentos sobre qual teria sido o erro da Puma e a simples execração, a moral da história pairava no ar: não tropece ao tentar conquistar espaço no discurso dos blogs, ou fogo e enxofre cairão sobre você.
Que a blogosfera brasileira se leva a sério demais, isso todo mundo sabe. Que alguns blogueiros se consideram salvadores da comunicação humana, isso não se discute. Mas será que toda essa revolta é necessária? Por que a estratégia da Puma virou um saco de pancadas, em vez de simplesmente ser ignorada? Se o fenômeno já tinha acontecido antes e todos já concordaram a respeito dele, por que toda a comoção outra vez? Para que chicotear cavalo morto, se a blogosfera tem tanta coisa nova e relevante a dizer?
O que ninguém observa é que talvez a tal da relevância blogueira, esse valor tão discutido, ambicionado e comemorado, tenha menos a ver com a pertinência da mensagem e mais com uma coisa chamada capital social. Capital social é definido por estudiosos como Pierre Bordieu e James Coleman como o valor implícito das conexões em uma rede de relações humanas. Trocado em miúdos, e aplicando ao debate das mídias sociais digitais, trata-se do valor que uma pessoa adquire dentro de um grupo quando se relaciona com o número certo das pessoas certas.
Ora, qualquer um que tenha sobrevivido à oitava série sabe muito bem que, para ser popular, rejeitar novas conexões é tão importante quanto desenvolvê-las. Na verdade, a sobrevivência de qualquer grupo de prestígio depende, em grande parte, disso: de deixar claro que algumas pessoas ficarão fora dele.
A blogosfera não é diferente. Como qualquer grupo de mérito, ela precisa reafirmar seus critérios e valores, tanto para quem está fora quanto para quem está dentro dela. Nessa espécie de sociedade tribal, às vezes a maneira mais relaxante de se fazer isso é numa grande festa regada a gritaria e sacrifício humano, onde cada integrante da tribo quer ter seu papel, cantar seu trecho da música e se lambuzar um pouco com o sangue do forasteiro degolado.
Talvez o único erro da Puma -- um erro honesto, até ingênuo -- tenha sido pensar que os caciques iriam cancelar a festa em troca de espelhinhos.
Marcadores: metablogagem, oops, opinião, publicitando
11 Comentários:
nossa, estavam falando tanto desse #pumafail, mas confesso que estava bem alheia a isso tudo!
lendo seu post, fiquei passada com esse babado! mas vc tá certo: é mto barulho por nada!
realmente, tem muito blogueiro que se acha o dono da verdade. odeio isso. tão irritante quanto blog miguxês, é blogueiro pedante!
como sempre, escreve bem!
uma frase pra vc: "good writing is sexy" :)
Concordo com alguns aspectos do texto. A reação é desproporcional. Mas não é de total demérito a reação ( mesmo que exagerada ). Remete diretamente a situações em que prestadores de serviço recebem propostas no mínimo escabrosas.
"Você faz o site agora pra mim só pra analisarmos se vale a pena a parceria dai então poderemos fechar negócios".
Se fosse no meu muquifo eu pessoalmente ignoraria pois:
1 - não vivo de blog.
2- atualizo meu blog somente por 'diversão'
3 - não me coloco na categoria de blogueiro ( alguém pode me explicar o que diabos vem a ser isso? basta ter blog que é blogueiro ou tem que fazer parte da 'comunidade'? )
4 - Participar de promoção? Não obrigado...dá trabalho e meu blog tem poucas visitas.
A abordagem foi um pouco infeliz pq mecheu com os brios do pessoal. Acho que teriam muito mais sucesso se buscassem os pequenos blogs e não os que 'são considerados formadores de opinião'
minha visão inocente do caso ( que pode mudar de um comentário para outro )
E se o suborno ( ops quero dizer "prêmio") tivesse sido maior, será que os blogueiros estariam tão moralmente ofendidos?
Tu escreve muito bem!!! E muita coisa faz sentido! Passa lá para ler também: http://upalupa.wordpress.com/2009/08/19/resumo-do-pumafail/ Quem sabe esclarece alguma coisa... Bjoka
Um total off-topic, mas fiquei curioso ao ver teu sobrenome. É Schuler mesmo, sem trema? Fala um Schuler aqui também, heh.
Sobre a história, concordo quase completamente. É incrível ver como os blogs brasileiros acham que são o último bastião da independência jornalística e que só eles têm a solução para os males do mundo.
Mostre para eles, Schuler!
Muito bom o seu post, e eu posso falar isso pois a "culpa" da ação da PUMA é minha, Felipe Morais.
Você conseguiu falar a verdade... muito barulho por nada. Foi feito um convite, as pessoas poderiam aceitar ou não. A UPALUPA exagerou, mas já conversamos e nos entendemos.. entendi o ponto de vista dela e ela o meu e está tudo certo. Legal ter opiniões como a sua.
Obrigado
Hipocrisia no final da contas, tudo que nós humanos fazemos de melhor da vida, e como publicitários vendemos muito bem a hipocrisia.
Muito barulho pra nada.
Parecem um bando de colegiais brigando por seu espaço no IRC dizendo "o meu script é mais legal"
Vamos lá gente, estamos mais velhos, sem esse falso moralismo e brios feridos...
ah, e eu só nao digo que blogueiros são uma raça triste, quase se nivelando como taxistas e motoboys porque iria parecer preconceituoso.
Ah, eu tenho blog.
É mesmo.
Opa, tenho 4.
Opa, sou uma blogueira.
Caguei.
Taxar os outros de hipócritas e falsos moralistas não parece algo muito produtivo na discussão. Não seria o caso de refletir a respeito de estratégias publicitárias? Ou na publicidade tudo é permitido e os profissionais da área estão acima do bem e do mal como os blogueiros que eles gostam de criticar?
Glauco,
Pelo contrário. Acho que debater estratégias é muito válido. Só que não foi a isso que me propus aqui.
Eu acredito que o que existe de equivocado na estratégia da Puma não rende muita discussão. É um tipo de escorregão que já foi discutido e debatido à exaustão pelos próprios blogueiros em ocasiões como o caso Nike/Riot e os badges "não sou blogueiro de aluguel" (lembra?).
São variações sobre um mesmo tema, e eu proponho que os blogueiros (e publicitários também, por que não?) avancem um pouco além disso.
No caso, questionando por que esse tema continua gerando a mesma comoção, com o mesmo discurso de calos pisados, mesmo depois de se chegar ao consenso.
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