domingo, 9 de agosto de 2009

É o fim do mundo (not)


"Lança nas mãos. Heitor pontuda e grossa

Pedra arrancou da verga de uma porta,
Que ora nem dois forçudos camponeses
Poderiam mover, sem carreá-la:
Por Zeus aligeirada, ele a maneja,
Como simples tosão que em sua esquerda
Mal o ovelheiro sente
".

- Homero, "Ilíada" - canto XII


O ser humano nunca esteve tão perto da extinção. As guerras matam mais do que jamais mataram, e as doenças, a fome e o colapso econômico ameaçam a existência do planeta e a nossa própria. A cada dia mais, nós nos afastamos uns dos outros e substituímos o contato humano verdadeiro pela virtualidade fria, dando muito mais atenção à tecnologia do que aos nossos semelhantes. Isolamo-nos em casa, longe de tudo e todos, e passamos cada vez mais a experimentar o mundo apenas através da tela do computador.

Se você concorda com tudo o que eu disse no parágrafo acima, tenho ótimas notícias: nada disso está realmente acontecendo. É tudo mentira. Equívoco. Balela. Pode respirar feliz.

Há poucos dias, esse foi o teor da conversa que tive com um conhecido meu. Ele, um ludita convicto, se dizia muito pessimista com os rumos que a espécie e a sociedade estariam tomando em tempos de Twitter, Facebook e afins. Segundo ele (e, convenhamos, na opinião de muita, muita gente), as pessoas estão perdendo a habilidade de conviver pessoalmente, pois dedicam todo o seu tempo a estabelecer "relações virtuais", preferindo buscar a popularidade e a sensação de aceitação social dentro de ambientes on-line.

Toda vez que alguém me diz isso (e eu aposto que vocês também já ouviram), eu penso como deve estar difícil a vida para os donos de bares, restaurantes e casas noturnas. Afinal, essa situação deve ser uma catástrofe para os negócios dessa gente. Dá pra visualizar os bares, baladas e afins completamente esvaziados, falindo às pencas. Bairros como a Vila Madalena, em São Paulo, virados em perfeitas cidades-fantasmas.

Só que, bem, isso não ocorre. Não apenas os bares e restaurantes continuam com uma boa taxa de freqüência, mas o faturamento do setor está crescendo. Eles foram apontados, inclusive, como um dos setores que melhor resistiram à recente crise econômica, apresentando desempenho positivo enquanto empresários de outras áreas arrancavam os cabelos.

E não precisa acreditar em mim nem nos cadernos de economia. Basta sair numa sexta à noite para ver que a sociabilidade humana tête-à-tête está viva e passa muito bem. No caso específico de São Paulo, aliás, é possível ver o crescimento desse mercado a olho nu. Além das regiões já estabelecidas para a vida noturna, como a já mencionada Vila Madá, bairros que antes eram tradicionalmente decadentes, como a Rua Augusta, têm passado por um notável movimento de revitalização, em que casas antes fechadas dão lugar a novos barzinhos da moda.

Assim é com muitas dessas supostas verdades cínicas que andam por aí. A gripe suína preocupa e precisa da atenção das autoridades, mas ainda contagia e mata bem menos do que a AIDS e a malária. Ela provavelmente não vai acabar com a raça humana, assim como as guerras não vão. Afinal, elas matam menos hoje do que nos anos 40. Até mesmo a ameaça nuclear atual não se compara ao que era em 1962, durante a Crise dos Mísseis, quando EUA e URSS puseram o dedo no gatilho e sentiram coceira. Ali sim foi por muito pouco que o caldo não entornou de vez.

A raça humana não está, portanto, caminhando para a extinção. Muito pelo contrário. Somos seis bilhões e meio e contando. Por que, então, esse pessimismo todo faz tanto sucesso? Bem, eu não sei. Mas eu acredito que exista uma pista escondida nos versos da Ilíada que eu citei lá em cima. Neles, o guerreiro Heitor, com a ajuda de Zeus, ergue e arremessa uma pedra grande e pesada. E o poeta destaca que nos tempos atuais ela não poderia ser erguida nem por dois camponeses fortes. Os "tempos atuais", aqui, são os tempos de Homero: oitocentos anos antes de Cristo. E lá naquele tempo distante, quase três mil anos atrás, o cara já dizia, com todas as letras, que antigamente a coisa era melhor.

Então senta que o leão é manso. O mundo não está acabando, o contato humano não está diminuindo e, antes que você pergunte, não, não estou dizendo que as pessoas estão ficando mais burras ou acreditando em mais besteiras. Pelo que vimos até aqui dá até para concluir que algumas características humanas não mudam tanto assim, nem com o passar dos séculos. Acreditar que o fim está próximo em vários sentidos, por exemplo.

Talvez, com a internet, as comunidades digitais e blogs como este, essas bobagens apenas estejam tendo mais canais para serem divulgadas, mais ambientes para sobreviver. Mas isso também não é o fim do mundo. E é assunto pra outro dia.

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Foto: www.flickr.com/photos/smiller

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3 Comentários:

Blogger Limeriques disse...

Antes de qualquer coisa: adorei seu texto. E esse está perfeito:portanto, parabéns.
=)

Minha opinião: isso de ver dissociado o real e o virtual é tãaaaaooo antigo. Não existe essa separação. Essa maravilhosa teia de relacionamentos que fazemos hj parte( Orkut, Netlog, Stumble, Blog, Twitter, Facebook e tantos etc), nada mais são do que catalizadores. São aproximadores de relacionamentos possíveis, sejam eles de cunho familiar, afetivo, ou social. Veja: graças a internet, estou aproveitando a oportunidade única de conhecer a história de meu possível avô, de rever amigos de qdo morava em Curitiba, e tantas outras maravilhas, você, inclusive. Eu disse inclusive? Não, não. Melhor dizer:você, principalmente.

Acredito que assumimos a responsabilidade de nossos atos.A tal coisa que é pra mim fundamental: aproveitar o bônus de ser o que é, e assumir o ônus de toda má escolha. Isso, é viver.
E aprender.
E claro, ser tbm um pouco mais feliz.

Já disse que esse texto está excelente? :)

10:35 PM  
Blogger Ana Lucia disse...

sinceramente, concordo com tudo o que foi dito.

o ambiente on-line, eu acho, que serve como uma ponte para novos e inusitados caminhos. é através do orkut que você pode conhecer o homem ou a mulher da sua vida, pessoas incríveis... pessoalmente.


acho que essa ideia de que o mundo virtual isola as pessoas, pra mim, não é verdade. tá mais pra papo de quem não gosta de modernidades ou deveras conservadoras, que gostam de tudo exatamente como está!

embora mudanças me assustem, eu sou totalmente a favor delas. sim, pq a gente nunca sabe o que vai acontecer, néam?

11:10 PM  
Blogger Milena Gouvêa disse...

Fabiano, gostei demais do seu texto. Você falou que era longo, mas fluiu que foi uma beleza.
Assim como teu amigo, eu também tenho essa visão um pouco conspiratória. Também acho (e continuo achando) que essa vida online distancia um pouco as pessoas. Ou que, no mínimo, faz a gente expor só o nosso lado bom, bacana e "cool". Aí todo mundo vende uma mentira e, quando a realidade surge, todo mundo se assusta.
Também acho que os relacionamentos são mais rápidos em decorrência (talvez não direta) disso.
Mesmo assim, a quantidade de benefícios que a vida online trouxe supera tudo isso. Um exemplo é essa possibilidade que ela nos abre de encontrar pensamentos tão legais de gente tão bacana. Como nesse blog aqui :)

5:52 PM  

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