segunda-feira, 5 de abril de 2010

Conheça Emily Howell

Seu álbum de estreia levanta questões inadiáveis sobre o futuro da música. Entenda por quê.

A música abaixo foi escrita pela compositora Emily Howell, que lançou em fevereiro o seu primeiro álbum, intitulado From Darkness, Light. Ouça-a atentamente.



Mesmo que você não seja um amante do piano ou da música erudita, e mesmo sendo impossível para mim prever que emoção você teve ou que tipo de imagem essa melodia fez passar pela sua cabeça, é seguro dizer que você pelo menos sentiu alguma coisa. Eu me arrisco a dizer que ela pode ter evocado em você emoções melancólicas, e que é provável que você a tenha achado um pouco triste. Talvez você até a classifique como bonita. Talvez a considere simplória. Na verdade, não importa. O que torna Emily Howell potencialmente revolucionária para a música não é apenas como ela soa, mas quem ela é.

Emily Howell é o nome de um programa de computador criado pelo pesquisador David Cope, da Universidade da Califórnia. É o primeiro software capaz de fazer algo que até hoje foi tido como domínio exclusivo do ser humano: criar música original, harmoniosa... e bela.

O software é capaz de reagir a estímulos - que seu criador chama de "críticas". O operador diz o que quer usando comandos em texto ou tons musicais, e Emily Howell vai alterando sua música de acordo. Em uma entrevista recente à NPR, Cope afirmou que a base de conhecimento musical de Emily vem de um programa criado anteriormente por ele, chamado Emmy ou EMI - sigla em inglês para "Experimento em Inteligência Musical". O Emmy era capaz de analisar partituras de compositores clássicos como Mozart e Bach, e então imitar, em uma partitura nova, o estilo do compositor analisado. Emily Howell parte desse banco de dados e, reagindo aos comandos de Cope, cria sua obra. Segundo ele, é como "compor em parceria".

Emily Howell vai um passo além de criar composições novas e originais. Ela consegue soar convincentemente humana. Ela pode ser o primeiro programa de computador capaz de atender a um critério muito comumente usado para definir a verdadeira inteligência artificial: passar no Teste de Turing, um experimento em que um juiz humano, em uma sala isolada, entrevista em janelas separadas de chat um ser humano e um computador, tentando determinar qual é qual. A verdadeira inteligência artificial seria capaz de enganar o juiz, fazendo-o pensar que conversa com um humano verdadeiro. Se o teste for adaptado para a música, Emily Howell é uma candidata fortíssima.

Isso nos obriga a revisar conceitos como autoria, originalidade, valor artístico, inspiração e os limites entre tecnologia e humanidade. Quer um exemplo? Vamos pelo mais imediato: você pode argumentar que não é possível chamar de música uma sequência matemática calculada friamente. Mas toda música é baseada em matemática. Se a matemática de Emily cria sons capazes de provocar reações emocionais em um ouvinte humano, será que o método como esses sons foram compostos ainda importa?

E há as implicações éticas. O que acontece, por exemplo, se um artista usar Emily para compor suas canções, mas não lhe der o crédito? Será que é sensato, aliás, sequer cogitar créditos para Emily? Além disso, se essa tecnologia for desenvolvida a ponto de poder ser usada na indústria cultural, talvez estejamos indo em direção a um futuro em que as gravadoras poderão controlar matematicamente todo o processo criativo da música que comercializam, e depois apenas contratar rostos bonitos para cantar e aparecer em videoclipes. Mas será que isso é muito diferente do que elas já fazem hoje?

Eu não tenho as respostas para essas perguntas, e não sei se estaria pronto para viver num mundo em que Blade Runner anda de mãos dadas com Milli Vanilli. Por outro lado, eu já ignoro o que as grandes gravadoras fazem há anos - e confesso que o pianinho de Emily Howell me agradou mil vezes mais do que qualquer coisa que esteja tocando na MTV hoje em dia. Se isso é bom ou mau sinal, aí é outra história.

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3 Comentários:

Blogger Guilherme Jotapê Rodrigues disse...

Que medo, cara.

7:23 AM  
Anonymous Patricia Oliveira disse...

Penso nessa questão como se fosse na fotografia.
Explico. Existem cameras extremamente fodas, que por sí só (entenda isso como 'modo manual') fazem retratos lindos.
Porém se o fotógrafo souber o que está fazendo a foto sairá ainda mais bela, e se fotografo for um mané a foto sairá um cocô. Em ambos os casos o crédito da foto não será da câmera, e sim do fotógrafo.

E mais, isso não excluí o fato das cameras point-and-shoot também fazerem fotos lindas.

No final teremos coisas bonitas de se ver (no caso da/do Emily, ouvir) de qualquer jeito.

--
Deu para entender minha opinião ou fui confusa?

9:34 AM  
Blogger F. Schuler disse...

Deu pra entender claramente, Patrícia.

Mas eu acho que as questões levantadas são mais complicadas do que isso. Emily não é apenas uma ferramenta, ela cria música. Entendo a analogia com a câmera, mas Emily seria como ter uma câmera que ouve de você o que precisa ser fotografado, e depois anda por aí escolhendo o que e como clicar.

Esquisito, não?

11:10 AM  

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