quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Lobos e tijolos

Este não é um texto sobre ansiedade.

"Bad books on writing and thoughtless English professors solemnly tell beginners to 'Write What You Know', which explains why so many mediocre novels are about English professors contemplating adultery."

- Joe Hadelman


Um conselho comum que se ouve quando alguém quer virar escritor é que a pessoa deve “escrever sobre aquilo que conhece”. Ou seja, não invente um romance sobre a dura vida dos domadores de puro-sangues na Península Arábica se a coisa mais próxima disso que você já viveu foi brincar com o cavalinho de balanço no playground do seu prédio.

Felizmente, quem tenta escrever qualquer coisa que preste – conseguindo ou não – logo percebe que essa dica é uma furada. É claro que é preciso saber o que você está dizendo, mas, levada às últimas consequências, essa regra atolaria o mundo num brejo sem fim de chatice autobiográfica.

Isso não quer dizer que a tentação não exista. Ela está aí, e eu acabo de ser vítima dela.

Com o perdão do clichê, eu sou exatamente o tipo de pessoa que começa o ano com uma lista de objetivos. Para o ano que está começando, um dos principais é escrever mais. “Mas tu escreve o dia inteiro, Fabiano, não tá bom assim?”, vai perguntar alguém. Sim, eu escrevo o tempo inteiro no trabalho, mas não é de hoje que eu sinto falta de criar coisas mais autorais, da mesma forma que não é o primeiro ano em que eu me cobro a respeito. A estratégia? Obrigar-me a escrever em momentos livres, todo dia, pelo menos um pouquinho. Mesmo estando cansado. Mesmo tendo trabalhado o dia inteiro. Mesmo que o texto não saia bom.

Para isso funcionar, é importante entender que texto ruim é melhor que texto nenhum, deixando um pouco de lado a ansiedade pelo resultado final. E foi na ansiedade que eu me ferrei.

Porque a ansiedade é minha pastora. E embora eu seja um carneiro velho de carne dura, ainda que eu ande pelo vale do sol e dos passarinhos felizes, ela não me deixa em paz.

Eu não estou falando de ficar apreensivo antes de uma prova, nem de apresentar um projeto e não saber se ele foi aprovado ou não. É outra coisa. É o conteúdo sujo de um baú que a bisavó do medo nos deixou. Um temor cru, indomado, sem estrutura. Um alerta que parece ser de lobos, de bárbaros, da noite - mas que na verdade é intransitivo, não tem objeto nenhum. E, por não ter no que se basear, ele quer grudar em tudo. Na primeira coisa que aparecer pela frente. Esqueceu de pagar a parcela? Perdeu o ônibus? Não sabe se vai hífen? Acabou, cara. Os lobos. Os lobos vão te pegar.

Alguns anos de terapia depois (e com certeza outros tantos pela frente), eu ontem tentei cumprir a dose diária da minha resolução de ano-novo falando um pouco sobre isso. E acabei aprendendo uma pequena lição sobre a natureza da criatividade e do próprio ato de escrever.

Escrever é organizar. É como ter um monte de tijolos e cimento, e empilhá-los na forma de uma casa: para ela ficar de pé e funcionar, tem que empilhar direito, fazer uma fundação boa, usar vigas no lugar certo e prever entradas e saídas para cada espaço que se cria. Mil arquitetos criariam mil casas diferentes a partir da mesma quantidade de tijolos, mas todas elas precisam seguir as mesmas leis básicas para não desabar. E, para construir qualquer uma delas, o mais importante: você precisa esvaziar o monte de tijolos e cimento.

Acho que você já entendeu onde eu quero chegar.

O texto que eu tentei escrever ficou pior que ruim. Ele não aconteceu, porque eu dei de cara com uma impossibilidade das grossas: escrever sobre a minha ansiedade é tão difícil e sem sentido quanto tentar construir uma casa que descreva a pilha de tijolos de onde ela saiu. Ou seja: minha ansiedade é caótica em essência, enquanto escrever é um ato de ordem. Uma coisa aniquila a outra.

Isso explica ao mesmo tempo por que a escrita é uma das coisas que me mantêm são e o motivo pelo qual escrever tem sido uma luta diária. Este não é um texto sobre a ansiedade, porque o ato de escrever sobre certas coisas as descaracteriza. E, quando nos limitamos a escrever apenas sobre o que conhecemos, das duas uma: ou nosso texto é raso e não se sustenta – ou nos aprofundamos e corremos o risco de destruir essa familiaridade. De perdê-la para os lobos. Os bárbaros. A noite.

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quinta-feira, 5 de janeiro de 2012

Desligue o rádio e mantenha a calma

Cinco dicas para sobreviver à Era Michel Teló, por um agnóstico musical com 20 anos de experiência.

Então você viu a capa da Época falando que o Michel Teló é a quintessência do Brasil e finalmente sentiu o bafo frio da morte cerebral no seu cangote? Já não era sem tempo.
Se isso aconteceu de sopetão com você esta semana, eu tenho uma notícia boa e uma ruim. A ruim é que a revista tem razão: a musiquinha repulsiva que sai desse guri tem tudo a ver com o que se passa na cabeça da maioria das pessoas atualmente vivas no País.
A boa é que tudo vai ficar bem, e não há razão para pânico. Porque essa experiência pode ser nova e assustadora para você, mas é perfeitamente possível ser feliz cercado de músicas (e revistas semanais) que você considera ruins.
Eu sei o que estou dizendo. Tenho sobrevivido a onda após onda de conteúdo musical superestimado há pelo menos duas décadas. Na real, é bem possível que você considere genial muita coisa que eu desprezo. E tudo bem se você discorda de mim nesses itens específicos. Eu sou chato mesmo. Ainda assim você, que é novo na coisa, pode encontrar utilidade neste breve manual para os recém-desiludidos com a cultura popular. Relaxe e aproveite estas cinco pequenas regras que têm funcionado comigo desde Smells Like Teen Spirit (disse Fabiano, antes de ser atingido por uma vasta rajada de objetos contundentes).

1 – Faça o que manda o título.
Desligue o rádio. Vai, desliga esse aparelho do diabo. Desligou? Quebra o botão. Isso. Muito bem. Assegure-se de que ele parou de tocar. Para ter certeza, verifique se a nauseante linha de acordeão de Ai Se Eu Te Pego foi substituída pelo silêncio. Funcionou? Ótimo. Você está pronto para o Passo 2.


2 – Continue fazendo o que manda o título.
Exatamente: mantenha a calma. Você não precisa do rádio. Nem da TV. Nos últimos anos, você deve ter notado no bolso da sua calça o aparecimento de um intrigante aparelho capaz de enfiar todos os álbuns que você já quis numa lasquinha de silício do tamanho de uma caspa. Lembre-se dele quando bater aquela vontade de dizer "mas em tudo que é lugar que eu vou tá tocando essa m...". Ele será seu amigo daqui para a frente, porque tem a notável propriedade de tocar o que você quer ouvir, não o que querem que você ouça.


3 – Entenda que o mundo é assim.
É o tipo de notícia que ninguém gosta de dar, mas vamos lá: é verdade. Lembra, lá no começo, quando eu disse que o hitzinho tinha tudo a ver com o que a maioria das pessoas pensam? Pois é. Isso acontece porque, veja só, hits são feitos para agradar a essa maioria - e maiorias simplesmente não pensam nada de muito brilhante na maior parte do tempo. E eu juro, isso não é elitismo, nem arrogância. O mundo é isso aí, e está tudo sob controle, porque ele sempre foi assim. Não sei o que os vizinhos do Da Vinci faziam, mas aposto uma coca-cola que eles não pintavam, nem esculpiam, nem inventavam o helicóptero.


4 - Entenda que vai piorar.
E muito. O que vier a seguir vai fazer qualquer sertanejo universitário parecer uma tese de livre-docência sobre a obra de Karlheinz Stockhausen, pelo menos por um tempo. Porque é mesmo pior? Não, porque é igual. A música pop nunca foi um primor de originalidade estrutural, e você pode observar isso em muita coisa que você mesmo deixa no repeat.


5 - Pare de reclamar e vá ouvir outra coisa.
Se você não pensa que este é o melhor momento da História para ignorar lixo, doe seu cérebro para a indústria de sabão. Você tem rios de informação passando por você o dia inteiro e nunca vai ficar sem conhecer coisas boas, não importa do que você goste. Não é difícil. Experimente fazer isso quando você é um adolescente do começo dos anos 90 no interior do Rio Grande do Sul e o disco novo do seu guitarrista favorito só é lançado na Suécia.

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